domingo, 21 de agosto de 2016

Venda para deficientes se limita a carros pequenos e exige paciência




  • Cerca de 50 milhões de brasileiros têm direito a desconto, mas a burocracia desmotiva
A lista de doenças e necessidades especiais contempladas com abatimento do IPI e outras alíquotas na compra de um automóvel no Brasil não cabe nesta reportagem.
São cerca de 50 milhões de brasileiros que têm direito ao desconto previsto em Lei -- que pode chegar a 30% do valor do carro. Porém, poucas são as opções para quem quer um veículo maior. Com o limite de R$ 70 mil para se ter também o abatimento do ICMS, os compradores ficam restritos a veículos compactos, pois são raros os modelos médios e/ou SUVs que se enquadram nesse valor.
A médica Aline Affonso de Carvalho se viu dentro deste "limite". Com hérnia de disco cervical, ela tem direito a comprar carro com "desconto completo" (dos dois impostos), mas o desejo de comprar um Honda HR-V esbarra no preço -- custando a partir de R$ 78 mil, o utilitário fica além do teto estabelecido por lei. Neste caso, só se consegue o abatimento do IPI.
Só que Aline também teve restrições até para escolher a versão de seu Honda City. Ela queria a mais completa, EXL, que custa R$ 79.800, mas levou para casa a LX, que tem preço sugerido de R$ 69 mil. "Eu tinha uma versão EXL antes. Tive que piorar o 'nível' de equipamentos para poder utilizar o desconto e me enquadrar nos critérios", lamenta.

Falta de opções

Não tem muito para escolher também. Hatches médios até estão mais dentro da "realidade", mas quem quer um sedã médio, por exemplo, fica restrito a três modelos que têm versões até o limite de R$ 70 mil. Um é o Toyota Corolla GLI 1.8, o mais barato da linha, que custa R$ 68.740; o Citroën C4 Lounge, por sua vez, parte de R$ 69.990 na Origine com motor 2.0 flex e câmbio automático; já a Peugeot, recentemente, lançou uma configuração de entrada do 408 de olho nesse mercado, chamada de Allure Business, que custa R$ 69.990 (também 2.0 automático).
"Temos hoje oferta para todos os modelos nacionais. Nossas ações comerciais estão direcionadas a dar acesso a nossa linha de produtos com descontos especiais, além das isenções", explica Luis Pacheco da Silva, diretor de Vendas Corporativas e Seminovos da marca francesa.
A Hyundai Caoa também tratou de puxar o Tucson para baixo. Na linha 2015, o SUV ficou acima dos R$ 70 mil. O jeito foi lançar uma versão sem os bancos de couro e a central multimídia, por R$ 69.900, para não perder este filão do mercado.
A fabricante tem departamento específico para vendas e pós-venda para este segmento do mercado. Algumas concorrentes já fazem o mesmo: Peugeot e Honda, por exemplo, mostram áreas específicas dentro do site. Ao clicar, pode-se até ver o preço dos modelos com desconto.

Atendimento especial

Diversas revendas dizem que possuem vendedores treinados para este tipo de atendimento, assim como test drives específicos. Porém, como a burocracia para obter as isenções de impostos é grande, quase todas as lojas têm parcerias com despachantes para facilitar a vida do comprador.
Boa parte delas, inclusive, absorve o custo desses profissionais (em média, de R$ 600) para não perder o negócio. "Temos parcerias com despachantes e cobrimos os custos para estimular clientes. Muitos ficam perdidos devido à burocracia", reconhece Sandro Corrochano, diretor de Planejamento de Vendas do Grupo Hyundai-Caoa.
Mesmo com todo este aparato, conseguir comprar com os descontos não é tarefa fácil. Não bastasse papelada e tempo, muitas revendas ainda esbarram em um atendimento falho. A professora Elizabeth Ribeiro Corrêa, de Visconde de Mauá (RJ), percorreu algumas revendas em busca de carros com isenções, procurou marcas como Volkswagen, Toyota e Chevrolet e não teve boas experiências.
"Me disseram que existe um vendedor específico, mas acho que isso é desculpa. Percebi muito desinteresse das concessionárias para atender a gente", lamenta. Vendedores que não retornavam e outros que não explicavam os cálculos de desconto são algumas das queixas de Elizabeth.
A reportagem de UOL Carros também sentiu isto na pele. Por telefone, nos passamos por cliente com direito aos descontos e já de posse do documento da Receita Federal em mãos. Entramos em contato com sete revendas de São Paulo (duas da Toyota e uma de Citroën, Mitsubishi, Volkswagen, Chevrolet e Hyundai), mas só em duas o atendimento foi bom.

Na da Citroën, a vendedora foi paciente e não só falou sobre o processo de compra, mas também fez questão de elucidar todos os equipamentos do C4 Lounge. Na Hyundai, o vendedor foi bem didático e detalhista ao calcular o valor dos modelos -- inclusive de outros importados acima de R$ 70 mil que só abatem o IPI.







Elizabeth Ribeiro Corrêa percorreu algumas revendas em busca de carros com isenções e procurou marcas como Toyota, VW e Chevrolet, mas não teve boas experiências

Demora

A boa notícia é que o abatimento no preço deixa qualquer carro que a gente considere os olhos da cara mais acessível. Principalmente entre os poucos sedãs médios disponíveis. Com o desconto de IPI e ICMS, por exemplo, o C4 Lounge cai de R$ 69.990 para R$ 54.655, mesmo preço do Corolla GLI.  Vale lembrar que o cliente também tem direito a isenção do IOF caso financie o carro. 
Só que depois da compra, lembre-se que é preciso mais paciência: muitos desses veículos não estão no catálogo, ou seja, ao fechar negócio a revenda envia o pedido para a fábrica e aí começa todo o processo de produção. 
Na Toyota, a vendedora nos deu prazo de três meses, enquanto na Citroën a entrega ficou para 50 dias. Na Hyundai, o tempo de espera foi estipulado em 25 dias. Sem falar na questão de adaptação do veículo, quando o carro tem de ir a uma empresa credenciada para fazer as modificações que atendem às necessidades físicas do comprador.

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